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quarta-feira, 10 de abril de 2013

CRACKING UP - As Loucuras de Jerry Lewis




TERÇA-FEIRA, 7 DE FEVEREIRO DE 2012


CRACKING UP - AS LOUCURAS DE JERRY LEWIS (1983)


(Esta resenha é dedicada à minha amiga Patricia Stefani, que durante anos foi a única pessoa, além de mim, que eu sabia que amavaCRACKING UP de paixão. Já rimos muito lembrando de algumas das cenas do filme. Talvez agora, com a publicação do post, apareçam outros fãs dessa pérola esquecida...)

Quem foi moleque nos anos 1980 certamente deve boa parte da sua formação cinéfila a Jerry Lewis. Pois o baixinho atrapalhado era figura constante nas tardes da TV aberta: lembro que "O Professor Aloprado" e seus filmes em parceria com Dean Martin eram reprisados religiosamente na Sessão da Tarde da Globo, enquanto o SBT costumava exibir com bastante frequência "O Mensageiro Trapalhão" e "O Mocinho Encrenqueiro", duas pérolas.

É difícil explicar, para a geração atual, a importância de Jerry Lewis em sua época. Ele foi um verdadeiro gênio da comédia, no nível de sujeitos como Charles Chaplin, Jacques Tati e Peter Sellers, e chega a me ferver o sangue quando alguém escreve uma abobrinha do tipo"Jim Carrey é o novo Jerry Lewis" - talvez uma cópia inferior no humor físico, e definitivamente sem a genialidade do original.


Para quem não tem muita intimidade com o cinema de Lewis, um bom ponto de partida são os mais conhecidos e já citados "O Mensageiro Trapalhão", "O Mocinho Encrenqueiro" e "O Professor Aloprado" (que ganhou uma refilmagem constrangedora estrelada por Eddie Murphy). Agora, se um amigo pedisse a sugestão de uma comédia de Jerry que o fizesse rolar de rir do começo ao fim, eu não pensaria duas vezes em recomendar CRACKING UP.

Este é o último longa escrito, dirigido e estrelado por Jerry, quando ele começava a entrar numa fase de ostracismo, já envelhecido e meio gorducho. Seu humor nonsense e inofensivo deve ter parecido meio deslocado em 1983, quando o filme foi lançado, pois era a época das comédias de humor mais grosseiro e repletas de mulheres peladas.


Mesmo assim, CRACKING UP é engraçadíssimo, e aqui o astro atinge um nível bem distante daquele humor mais ingênuo dos seus trabalhos dos anos 60 e 70. As gags visuais se sucedem numa velocidade impressionante, e cada vez mais absurdas, lembrando as comédias de Mel Brooks e do trio ZAZ (como "Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu"). Tem desde pistoleiros do faroeste que passa na TV atirando através da tela, até quadros que criam vida num museu!

Jerry interpreta Warren Nefron, um típico perdedor que, de tão azarado, não consegue nem mesmo cometer suicídio. Ele então procura um psiquiatra, o Dr. Jonas Pletchick (Herb Edelman), em busca de ajuda. Em diversas sessões, vai contando a história de seus igualmente azarados antepassados - e as piadas durante a Revolução Francesa poderiam muito bem estar em "A História do Mundo - Parte 1", de Mel Brooks. Paralelamente, Warren se mete em diferentes confusões.


Não há muita história para contar no roteiro escrito a quatro mãos por Lewis e Bill Richmond. Depois de estabelecer a situação básica (o looser procurando ajuda psiquiátrica), o filme entrega-se a uma sucessão ininterrupta de piadas com pouca ou nenhuma relação, quase como se fosse uma coletânea de esquetes já prontos - tipo um "O Melhor de Jerry Lewis".

Lá pelas tantas, o ator até aparece interpretando outros papéis, escondido atrás de perucas, bigodes e maquiagem carregada: um médico que virou guru, um ladrão de banco e um patrulheiro rodoviário. Ahá, e você pensando que o Eddie Murphy era original quando interpretava 10 personagens no mesmo filme, não é?


Como reunião de esquetes que é, CRACKING UP rivaliza entre momentos muito engraçados, outros nem tanto, e alguns que ficam no limite entre a genialidade e a idiotice - nessa última categoria se encaixam a sequência em que assaltantes invadem um banco apenas para fazer um número de dança diante das câmeras de segurança, ou a participação especial de King Kong (bem, na verdade só da sua mão...).

Mas quando Jerry acerta, é para fazer o cara se mijar de rir. Sem dó nem piedade.


Desafio qualquer um, mesmo o espectador mais mal-humorado e impaciente para comédias, a assistir impassível a longa sequência de abertura, em que o astro enfrenta as agruras do piso excessivamente encerado do consultório do psiquiatra. O cara ri dessa cena até durante um velório, pois é comédia física na sua melhor forma - e demonstra que caras como Jim Carrey e Adam Sandler ainda precisam comer muito feijão com arroz para passar da categoria "careteiros" para "sucessores de Jerry Lewis".

Outro momento genial, que parece ter saído do programa de TV do grupo inglês Monty Python, é aquele em que Warren vai a um restaurante e é torturado pela garçonete, que, com sua voz irritante, vai citando sem parar as diversas opções do cardápio!

A garçonete irritante (legendado)



Finalmente, há uma piada que parece ter sido inspirada pelo conto "Ex-Fumantes Ltda.", de Stephen King (adaptado para o cinema no longa "Olhos de Gato", de Lewis Teague): Warren vai procurar uma clínica para deixar de fumar, e a partir de então, em diferentes momentos ao longo do filme, levará um soco na cara toda vez que tentar acender um cigarro!

E embora Lewis invista bem mais no humor físico e nas gags visuais, ele não deixa de fazer uma divertida brincadeira de metalinguagem durante os créditos iniciais: a trilha sonora pára de tocar no momento em que aparece a legenda anunciando o nome do compositor Morton Stevens, e uma segunda legenda informa que a canção do título é interpretada pelo famoso mímico francês Marcel Marceau (obviamente, a música é apenas instrumental!).


Se o show é todo do ator, que aparece em 100% do filme, não dá pra deixar de destacar algumas presenças ilustres, como o comediante Milton Berle (no papel de um travesti), Sammy Davis Jr. "interpretando" ele mesmo e Zane Buzby como a garçonete de voz enjoada. Para quem não lembra, a moça também deu uma amostra de seu dom vocal irritante em "Up in Smoke", da dupla Cheech & Chong (ela é a doidona que fica gemendo na traseira da van, numa cena antológica do filme).

CRACKING UP chamava-se, originalmente, "Smorgasbord" - que é uma palavra secreta usada pelo psiquiatra para hipnotizar Warren. O título foi trocado na hora do lançamento, e portanto numa das piadas, que mostra os atores indo ao cinema para assistir ao próprio filme, o título na fachada ainda é "Jerry Lewis' Smorgasbord".


No Brasil, o título nacional ficou "As Loucuras de Jerry Lewis". Porque nossos criadores de títulos adoravam colocar o nome do autor do negócio no título, mesmo quando ele não interpreta a si próprio. Aconteceu o mesmo com "Silent Movie", de Mel Brooks, que aqui virou "A Última Loucura de Mel Brooks", e "Nice Dreams", da dupla Cheech & Chong", batizado como "Altos Sonhos de Cheech & Chong" em nossos cinemas. Ainda bem que o sujeito que fazia esses títulos perdeu o emprego antes de inventar coisas como "As Férias Frustradas de Chevy Chase" ou "Eddie Murphy, Um Tira da Pesada"...

E muita gente deve ter CRACKING UP na sua memória afetiva das duas ou três exibições na Rede Globo, exatamente com esse título desengonçado de "As Loucuras de Jerry Lewis". Lembro que gravei uma dessas exibições e quase gastei a fita de tanto reassistir e mostrar para os meus amigos.


Oficialmente, entretanto, o filme permanece inédito no país, tanto em vídeo quanto em DVD. Também desapareceu da grade de programação da TV aberta há pelo menos duas décadas, como quase todos os outros trabalhos de Jerry Lewis, e volta-e-meia passa apenas na TV por assinatura.

Para alguns cinéfilos (eu incluso), é injusto que CRACKING UP não tenha feito o devido sucesso na época do seu lançamento e alavancado a carreira de Lewis para que continuasse escrevendo e dirigindo suas próprias obras. Porque, naqueles tempos, o astro passava por uma fase decadente nos Estados Unidos. Inclusive o filme estreou antes na Europa (os franceses até hoje consideram Jerry Lewis um gênio), e somente dois anos depois, em 1985, nos EUA.


Também era uma fase difícil para o artista, que estava afastado das telas há quase uma década. Em 1970, ele dirigiu e estrelou a comédia "Qual é o Caminho para a Guerra?", onde fazia piada com a Segunda Guerra Mundial. O tema perseguiu-o dois anos depois, quando embarcou em seu projeto mais polêmico: o lendário drama "The Day the Clown Cried", que também dirigiu, escreveu e estrelou, no papel de um palhaço que divertia crianças judias num campo de concentração, durante a Segunda Guerra, antes de levá-las à câmara de gás. Com fama de maldito, o filme nunca foi lançado e a única cópia existente é guardada pelo próprio Jerry - e nem mesmo caras influentes, como Quentin Tarantino, conseguiram acesso ao material.

Assim, Jerry Lewis só voltaria a dirigir, escrever e estrelar uma comédia em 1980, com o mal-sucedido "Um Trapalhão Mandando Brasa", fracasso de bilheteria que quase enterrou de vez a sua carreira. Talvez a história fosse diferente se o retorno às telas fosse com CRACKING UP, uma comédia bem mais inteligente e inspirada.


Vale lembrar que, durante as filmagens, em dezembro de 1982, Jerry teve um ataque cardíaco fulminante e chegou a ser declarado clinicamente morto, antes de recobrar a consciência e sofrer uma cirurgia delicada no coração. Definitivamente, ele estava com alguma zica braba naquela época...

Também é, como escrevi lá no começo, a última comédia escrita por ele, que desde então apenas aparece em papéis mais dramáticos nos filmes dos outros - como "O Rei da Comédia", de Martin Scorsese, e "Arizona Dream - Um Sonho Americano", de Emir Kusturica.


Será que um dia veremos Jerry Lewis voltar à luz da ribalta, com um novo filmaço escrito, dirigido e estrelado por ele? Acredito que não, e ele provavelmente também vai levar o polêmico "The Day the Clown Cried" para o túmulo. Talvez seja a melhor assim, numa época em que os "comediantes" são gente tão sem graça quanto Jack Black e Ben Stiller.

Um triste fim de carreira para um gênio da comédia? Nem tanto: nós sempre teremos seus filmes hilários, como "O Mensageiro Trapalhão" e CRACKING UP, para nos fazer rir por gerações, e gerações, e gerações. Porque bobagens tipo "Uma Noite no Museu" não demoram a ser esquecidas, mas os clássicos nunca morrem! Só falta alguma distribuidora brasileira tomar vergonha na cara e finalmente lançar esse filme em DVD no país...

PS: Descobri que "Smorgasbord" é uma palavra sueco para designar um bufê formado pela mistura de diferentes pratos da culinária de lá. Pode ser viagem minha, mas em sua próprio mistureba de gags, piadas e situações, Jerry Lewis fez aqui um verdadeiro "Smorgasbord cinematográfico".

Cena inicial de CRACKING UP
(Jerry Lewis vs. piso encerado)



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Cracking Up / Smorgasbord (1983, EUA)
Direção: Jerry Lewis
Elenco: Jerry Lewis, Herb Edelman, Sammy Davis Jr.,
Milton Berle, Foster Brooks, Zane Buzby, Dick Butkus,
Francine York e Donna Ponterotto.





O culpado:

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